A santidade é a forma com a qual respondemos à iniciativa divina de nos salvar
por Daniel Reis, da RENSE, via portal Dom Total
A cada ano, no dia 1º de novembro, a Igreja celebra a Solenidade de Todos os Santos – no Brasil, se esta data não cai em domingo, é transferida para o próximo. Nela se recorda aquela que é a vocação primeira dos cristãos: a santidade (cf. Ef 1,4)! Na trilha deixada por tantos homens e mulheres santificados pela fé em Jesus Cristo (cf. At 26,10) e pela vivência exemplar da Palavra de Deus (cf. Jo 17,17), somos chamados a compreender que a vida santa não é exclusividade para alguns poucos, mas é possível e é dever de todos nós, uma vez que Cristo, ao assumir a nossa fragilidade humana, a santificou, tornando-nos acessíveis à sua santidade.
Na moldura da vocação universal à santidade (cf. Lumen Gentium, cap.5) e reconhecendo o povo santo de Deus, a 1ª Leitura desta solenidade, Apocalipse 7,2-4.9-14, narra a visão de João da “multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar”. Desses santos e santas incontáveis, o papa Francisco em sua exortação apostólica Gaudete et Exsultate (GE), partilha conosco uma belíssima admiração que ele leva consigo:
Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade “ao pé da porta”, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da “classe média da santidade” (n. 7).
A santidade, como dom de Deus, não se traduz em mero esforço humano, mas é a forma com a qual respondemos, pela nossa própria vida, à iniciativa divina de nos salvar. Como afirma o papa Francisco: “A sua amizade supera-nos infinitamente, não pode ser comprada por nós com as nossas obras e só pode ser um dom da sua iniciativa de amor” (GE, n. 54). Como vocacionados à santidade pelo Batismo, onde fomos trajados com as “vestes brancas alvejadas no Sangue do Cordeiro” (Cf. Ap 7,9c.14c.), guardamos toda uma potencialidade, dada por Deus, para vivermos a qualidade e a dignidade de seus filhos e filhas, como proclama a 2ª Leitura da liturgia deste dia (1Jo 3,1-3): “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!”. Os santos reconhecidos institucionalmente são, assim, modelos de abertura à iniciativa salvífica divina e de vivência desta santidade à qual somos todos chamados: de sermos filhos e filhas no Filho; santos e santas no Santo!
Sendo a santidade iniciativa divina que se realiza perfeitamente em Jesus de Nazaré, quando a Igreja celebra seus santos e santas, o faz sem perder de vista o Mistério Pascal de Cristo, núcleo fundamental em torno do qual gravitam todas as celebrações litúrgicas. A constituição conciliar sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, afirma que a Igreja, ao celebrar seus santos, “proclama o Mistério Pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propondo aos fiéis os seus exemplos, que conduzem a humanidade ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus” (n. 104). Assim, sem se desviar de seu eixo fontal, a solenidade em questão celebra o Mistério Pascal de Cristo realizado em seus membros mais configurados à sua morte e ressurreição: os santos e santas, homens e mulheres que passaram e fizeram muitos passarem, por seu exemplo e intercessão (Vide “Oração do Dia”, “Oração Sobre as Oferendas” e o Prefácio próprio da Solenidade de Todos os Santos), das diversas situações de morte à vida nova e em plenitude “escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,3).
O prefácio próprio da liturgia evidencia a nossa condição de peregrinos rumo à morada dos Santos, a Jerusalém celeste:
Festejamos hoje a cidade do céu, a Jerusalém do alto, nossa mãe, onde nossos irmãos, os santos, vos cercam e cantam eternamente o vosso louvor. Para essa cidade caminhamos pressurosos, peregrinando na penumbra da fé. Contemplamos alegres, na vossa luz, tantos membros da Igreja que nos dais como exemplo e intercessão.
Assim, a santidade se apresenta como uma peregrinação à qual o novo povo de Deus é chamado a fazer, e o caminho nos é apontado pelo Evangelho do dia: as bem-aventuranças do sermão do monte, proclamadas pelo Bem-Aventurado do Pai (cf. Mt 5,1-12a)!
Ao celebrarmos a Solenidade de Todos os Santos, nos juntamos a eles para glorificarmos a Deus “de pé diante do trono do Cordeiro” (Ap 7,9b), onde somos animados a reconhecer que, a exemplo de tantos homens e mulheres que receberam a honra dos altares, é possível fazer da nossa vida uma bem-aventurança, uma “geração que busca o Senhor”(Conferir refrão do Salmo Responsorial da Solenidade de Todos os Santos [Sl 23]), para que alimentados na “mesa dos peregrinos, passemos ao banquete do Reino” (Conferir “Oração Depois da Comunhão” da Solenidade de Todos os Santos), alimentando no mundo a esperança de um “novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1).
Daniel Reis é graduando em Teologia e em Direito. Cursou Especialização em Liturgia. Membro da coordenação e assessor da Comissão de Liturgia da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Membro e assessor do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia (SAL). Membro do Regional Leste II para a Liturgia, da CNBB. Membro da diretoria da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI).
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