por padre Junior Vasconcelos Amaral,
pároco, doutor em Teologia e professor de Sagrada Escritura na PUC Minas.
Chegamos hoje, com Jesus, ao alto do tempo quaresmal, à Semana Santa, e com ele adentramos os umbrais das portas da cidade santa de Jerusalém, o Monte Sião, a esposa adornada para o seu Senhor. Mas, somos, nesta travessia, quem afinal? Poderíamos estar no lugar do povo, esperançoso e desvalido, gritando “Bendito o que vem em nome do Senhor”, ou estaríamos todos do lado das autoridades romano-judaicas, com medo daquele que vem vindo em nome de Adonai, e querem apenas matá-lo, pois se tratava de um homem “rebelde”, que chegava a Jerusalém para tirar dela sua paz. Contudo, convido você, e a mim mesmo, a nos colocarmos no lugar do jumentinho, de um animal, que para a narrativa de Lucas tem grande importância. Certamente, você deve estar surpreso com isso!? Mas peço que você deixe de lado um pouco da vaidade e despoje-se para esta experiência... Afinal, em dois momentos da cena é dito: “O Senhor precisa dele” (Lc 19, 31.34). Oxalá, também o Senhor precisasse de nós, como daquele jumentinho, que não pensou que os aplausos fossem para ele, mas para aquele que ele trazia, o jumentinho sequer resistiu a levar consigo o homem de Nazaré, mas fez-se servo solícito a fim de entronizar o Senhor no coração de Jerusalém.
Nem sempre, assim, somos nós, tão dóceis e solícitos. Como cristãos, outros-Cristos no mundo, queremos que nossa luz brilhe mais que a do mestre e, por vaidade das vaidades, acabamos perdendo a grande oportunidade de nos deixar guiar por aquele que nos conduz para o centro da nossa fé, ao mistério de sua Paixão, haja vista que Jesus estava adentrando Jerusalém para lá entregar-se plenamente ao projeto do Pai, nas mãos de seus algozes, que desejavam ardentemente seu aniquilamento.
Jesus passa por Betfagé, que em hebraico significa “casa dos figos”, uma aldeia a 3 km de Jerusalém, ao flanco oriental do Monte das Oliveiras, separado pelo vale de Josafá e do Cedron. O Monte das Oliveiras é uma montanha a 1 Km de Jerusalém, de lá em meio às oliveiras dá para se ver integralmente Jerusalém e seus muros. Uma das mais belas visões que se pode ter neste mundo. É em Betfagé e Betânia (que em hebraico signifca a “casa dos pobres”) que tudo tem seu início.
O “homem de Nazaré” entra em Jerusalém, v. 36, e é recebido sobre vestimentas, trata-se de um gesto de homenagem e reverência, que, no passado, os súditos prestavam ao rei no dia de sua ascensão ao trono. Em 2Rs 9,13, o narrador atesta que Jeú foi recebido em seu Reino sob os louvores e pisando sobre as roupas de seus súditos. Os ramos e palmas são sinais de vitória, nas grandes solenidades (1Mac 13,51 e 2Mac 10,7).
Contudo, ao adentrar Jerusalém, Jesus tem como projeto não a glória de um poderio terreno aos moldes de Herodes, ou uma glória pontifícia aos moldes de Pilatos, mas seu projeto é quenótico, que em grego (Kenosys) significa esvaziamento, aniquilamento pessoal. Jesus desapegou-se à sua condição divina, como nos lembra Paulo aos Filipenses (2,6). Este esvaziamento é “expressão do que ele sempre quis se tornar ao não se apegar à sua condição divina para obedecer de modo único ao Pai; é a tradução quenótica de seu eterno amor de Filho, de sua eterna eucaristia em relação ao Pai sempre maior” (RIBEIRO, C. S. M. Mysterium Paschale. A quenose de Deus segundo Hans Ur von Balthasar. São Paulo: Loyola, 2004. p. 88). Desta maneira, sua entrada em Jerusalém só poderia ser feita em um jumentinho, um potro novo de jumenta, como afirma Mateus, pois segundo as tradições antigas, que estão simbolizados nos textos evangélicos do Novo Testamenteo, o Messias entraria em Jerusalém, montado num jumentinho (cf. Zacarias 9, 9, Mc 11, 7, Mt 21,3 e Jo 12,15). Mas, por que um jumento? Pois ele é símbolo da paz, diferentemente do cavalo, que era instrumento de guerra.
Dito isto, teologicamente dizendo Jesus triunfa não pela violência e sim com a humildade e mansidão, buscando edificar sobre o monte Santo de Jerusalém a paz, vertida por seu sangue derramado em expiação dos pecados dos homens e mulheres. Somente assim Jerusalém poderia ser de fato “Colina da Paz”, do verdadeiro shalom de Adonai. Outros comentaristas vão além, afirmando que o jumento adulto, habituado a levar cargas, pode ser entendido como o judaísmo sob o peso da Antiga Lei. O jumentinho, ainda não montado, é figura do paganismo que não conheceu o peso da Lei antiga. Também, em Nm 19,2 e Dt 21,3 determina-se que a vítima a ser oferecida a Deus, em sacrifício, deve ser um animal que o homem ainda não montou. Portanto, o jumentinho é sinal do agraciado, que toma sobre si, seus ombros e seu corpo a Nova Lei, que adentra no Templo Santo, para reconstituí-lo de verdadeiro significado, com aquele que dá verdadeiro sentido ao templo, o Novo Templo: Cristo.
Somos a partir desta possível análisa narrativa, da entrada messiânica de Jesus em Jerusalém, tendo em vista a figura do jumentinho, servo manso e humilde, portadores de Cristo neste mundo, como dizem os antigos ortodóxos: cristóforos. Este era o nome dado aos recém-batizados, portadores de Cristo no mundo, como luz do Mundo. Somos, deste modo, aqueles que carregamos Cristo às pessoas, às realidades, às trevas do pecado ao qual somos seduzidos e enredados.
Portanto, chegamos à constatação que somos muito pouco em toda esta narrativa, porém, cumprimos com nossa simplicidade e mansidão uma grande e intransferível missão: a de conduzir o Cristo aos corações dos que precisam de paz para continuar a existir. “Paz no céu e glória nas alturas!” são as palavras daqueles que recebem o Bendito de Deus. A glória celeste de Deus somente é verdadeira quando a humanidade se encontra feliz na edificação do Reinado de Deus. Jesus, em outras palavras, toma em Jerusalém um reino alternativo, o Reinado do amor que se consumará no trono da Cruz, derramando-se, transbordando-se de amor por todos.
No entanto, do meio da multidão se ouve uma voz vinda dos fariseus, pedindo que Jesus repreendesse seus discípulos por tê-lo acolhido em Jerusalém. Jesus, porém, lhes diz: “Se eles se calarem as pedras gritarão”. Para Jesus, nesta hora quase derradeira, não há meio termo: ou se está do seu lado e o acolhe ou se está do outro lado e o rejeita. Não há outro caminho. Se eles não o acolhem, as pedras da grande Jerusalém gritam em protesto. Desta maneira, com tal repreensão da parte de Jesus se pode compreender que o próprio jumento, que não sabia o que estava ocorrendo, por ser um simples animal, está definitivamente do lado dele, conduzindo-o para a cidade de sua morte. Em contrapartida, os fariseus fazem coro contrário, destilando suas invídias para Jesus, não permitindo-o ser exaltado Bendito, aquele que vem da parte de Deus para resgatar a humanidade.
Por fim, este relato nos coloca diante de uma importante indagação, uma inarredável questão: De que lado nós estamos? Ou somos humildes e mansos como o jumento e como aquele povo que o acolhe em seu meio, conduzindo-o às pessoas e tendo-o como Senhor de nossas vidas, ou ficaremos sempre lastimando, reclamando como os fariseus a nossa não-adesão, por causa de nossa apatia a ele. Que este domingo de Ramos, da chegada triunfal de Jesus a Jerusalém, seja o dia decisivo de nossa caminhada discipular, a fim de que, na fidelidade, permaneçamos na travessia e no caminho de Jesus, experimentando com ele de sua Paixão e morte, para, por fim, nos inebriarmos com sua ressurreição, a vida sem ocaso.
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