por padre Junior Vasconcelos Amaral,
pároco, doutor em Teologia Bíblica e professor de Sagrada Escritura na PUC Minas
Jo 10, 27 “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. 28 Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. 29 Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. 30 Eu e o Pai somos um”.
O tempo pascal é marcado pela experiência de Jesus Cristo, o Vivente, o Ressuscitado que está no meio de nós. “A morte foi vencida pelo Senhor da Vida...” O triunfo de Cristo sobre a morte assinala a verdadeira preferência de Deus Pai sobre seu Filho, Jesus de Nazaré. Ele é o Filho amado no qual Deus Pai colocou toda sua complacência, toda sua ternura paternal. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, do Vale da Morte, Deus quis confirmar a toda humanidade que a verdadeira humanidade está escondida com Cristo (Col 3), primícia entre os que morreram e o primeiro a ser ressuscitado entre os mortos (1Cor 15).
Após a ressurreição de Jesus, ele apareceu a Maria Madalena, a Cefas, conhecido como Pedro, e aos discípulos reunidos, e em seguida apareceu à beira mar, quando ainda fez refeição com eles (Jo 21). Tais aparições garantem que a vida do Ressuscitado é preeminente e definitiva. A morte não tem domínio sobre ele. Daí, somos todos amparados no caminho da fé pela certeza da ressurreição de Cristo, que se revela como nossa ressurreição e vida.
Na narrativa do Evangelho de João, essencialmente no capítulo 10*, podemos ouvir Jesus dizer: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (v. 27). Jesus é o bom pastor que, com sua voz, cuida e ampara as ovelhas que estão em seu aprisco. As ovelhas, por sua parte, conhecem a voz do pastor e o seguem. Conhecer significa compreender, relacionar-se com alguém. Este alguém é Cristo que transforma a vida de suas ovelhas, pois ele não vem tirar a vida de suas ovelhas, mas vem cuidar de suas ovelhas, levando-as a pastagens verdejante, como nos lembra o Salmo 23. Jesus é o único e verdadeiro pastor, digno de ser ouvido e seguido por todos nós cristãos. Ele é o único pastor capaz de se entregar plenamente para nos salvar. Sua vida não é para si, mas para os outros. Lembre-mo-nos de Mc 10,45: “Eu não vim para ser servido, mas para servir e dar a minha vida em resgate de muitos”. Neste sentido, nós, pastores ou clérigos, somos apenas sinais efêmeros do pastor insigne e admirável que é Jesus Cristo. Ocupamos de maneira sacramental, pelo Sacramento da Ordem, seja no segundo ou terceiro grau a missão, o encargo de pastores. Os fiéis, ou as ovelhas, devem sempre fitar nos olhos do bom Pastor que é Jesus Cristo, suplicando a Ele pelos pastores que aqui neste mundo o representam e, sacramentalmente, exercem tais múnus (ministérios): de ensinar, apascentar e santificar.
No versículo seguinte afirma a narrativa: “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão” (v. 28). Jesus é capaz de transmitir a todos a vida eterna, a plenitude da vida que há de vir, da realidade kairótica esperada, da graça sempiterna que haverá de habitar em nós. Ele é o pastor que concede sua própria vida em prol das ovelhas que lhe foram confiadas pelo Pai. Tais vidas jamais se perderão pela eficácia da doação de Jesus, como aquele que ama oblativamente (sem esperar nada em troca). Sua vida não lhe pertence nem lhe é fim em si mesma, mas meio para a salvação de tantos homens e mulheres, aqueles e aquelas que serão por ele redimidos, todos nós que nele cremos. É válido lembrar que na teologia joaneia (Jo), a vida de Jesus não é tirada ignominiosamente (de forma sangrenta e perversa, embora a morte de Jesus nos Evangelhos seja a trama maligna do poder Sinédrico com o poder Romano), mas é doada (didomi, em grego), é glorificação (doxologia, em grego).
Para Jesus, ninguém é capaz de arrancar as ovelhas de suas mãos (v. 28). A mão, segundo Xavier Léon-Dufour, é “na Bíblia metáfora do poder protetor de Deus**. A palavra prolonga-se por: ‘ninguém pode arrebatar-tirar da mão do Pai’. Ora, aqui o verbo não tem complemento de objeto, como que para incluir na segurança que depende do Pai não somente as ovelhas mas o próprio Filho, agora cercado e ameaçado de morte. Por outro lado, completa-se aqui a apresentação simbólica do que é a Igreja aos olhos de João; no fundamento de sua segurança encontra-se não Pedro nem mesmo o Cristo só, mas o Pai, indissociável de seu Filho”. ***
Para o Evangelho e a comunidade de João, Jesus é o pastor dedicado e fiel. Seu pastoreio é eterno e ele não quer que nenhum daqueles que lhe foram confiados (pistós - pela fé) se perca. Sua ação é universal e se aplica a partir da fé daquele que se faz sua ovelha, porque ouve sua voz e se torna capaz de se entregar em seus braços de pastor amável e fiel.
A narrativa atinge seu clímax com a afirmação que diz que foi o Pai que concedeu ao Filho as ovelhas (v. 29). Para Jesus, o Pai é maior que todos, pois foi ele quem concedeu ao Filho as ovelhas e ninguém poderá arrebatá-las da mão do Pai.
Jesus afirma que “Eu e o Pai somos um” Egó kai ho patér hén ésmen (v. 30), que na verdade ao pé da letra poder-se-ia traduzir como “Eu e o Pai não fazemos senão um só”. Com tal tradução vemos a mais profunda união entre o Pai e o Filho, o Logo e Deus (Jo 1,1). Ninguém vai ao Pai senão por Jesus. A unidade do Pai e do Filho, salvaguardando a distinção das pessoas trinitárias, garante a fé em Deus. Jesus é a face amorosa de Deus revelada ao mundo. Ele revela o Deus invisível em sua ternura e misericórdia. Se Deus pode ser dito e entendido é a partir da Encarnação do Lógos, em Jesus. Nele, Jesus Cristo, Deus se faz homem e habita a história humana (Jo 1,14), assumindo toda nossa humanidade, garantindo-nos o caminho da salvação (Jo 14,6).
Portanto, em Jesus Cristo, Deus se revela afetuoso e santo, capaz de se entregar por aqueles que ele mesmo criou em sua providência. Na face de Cristo, em sua encarnação no mundo, em sua abnegação eterna (lavando os pés dos discípulo Jo 13), e em sua crucificação e ressurreição, o homem - a humanidade -, pode conhecer a hegemonia de Deus, a predileção por suas criaturas, por todas as coisas por Ele criadas. Pelo Filho, por sua paixão, morte e ressurreição, fomos definitivamente redimidos e aguardamos ansiosos sua Vinda Gloriosa, na Parusia (segunda vinda de Cristo), insuflados e unidos no Espírito que é Santo, Deus mesmo que nos sustenta na fé, na esperança e caridade.
* O capítulo 10 consiste no discurso do Bom Pastor, dos vv. 1 a 21, seguido de um último confronto dos vv. 22 a 42. O diálogo que Jo situa na Festa da Dedicação do Templo apresenta-se como um novo episódio do ministério de Jesus em Jerusalém, afirma Xavier Léon-Dufour (Leitura do Evangelho Segundo João, vol 2. São Paulo: Loyola, p. 269).
**Dt 33,2; Is 43,13; Sl 31,6; Dn 5,23.
***LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João. Vol. 2. São Paulo: Loyola, 1996. p. 275.
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