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PASCOM Guadalupe

Veni Creator Spiritus

por padre Junior Vasconcelos Amaral,

pároco, doutor em Teologia Bíblica e professor de Sagrada Escritura na PUC Minas

 

Jo 20, 19 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: 'A paz esteja convosco'. 20 Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21 Novamente, Jesus disse: 'A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio'. 22 E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. 23 A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos'.


            Chegamos, com a festa de Pentecostes, à plenitude do tempo Pascal. A solene festa do Espírito Santo marca na Igreja a colheita dos frutos espirituais do belíssimo tempo pascal. Na Páscoa de Jesus celebramos a passagem de sua morte para a vida e em Pentecostes celebramos a passagem e a permanência do Espírito de Jesus em nós e na Igreja. É o Espírito que nos assiste, assim como inspirou os primeiros discípulos e os escritores sagrados. O Espírito Santo, nos diz o cântico Veni Creator Spiritus (Vinde Espírito Criador) “visita as almas, firma os corpos, é o dedo direito de Deus que inspira as palavras e nos faz conhecer o Pai, revelando-nos o Filho”.

            A narrativa bíblica de Jo 20,19-23, proposta pela Igreja para a festa do Espírito Santo, trata da aparição de Jesus na noite do primeiro dia da semana. Jesus, o Vivente – Ressuscitado, aparece à comunidade dos discípulos, deseja-lhes a paz, entrega-lhes seu Espírito, conduzindo-os à missão de perdoar. Os discípulos vencem o medo, crendo que Jesus está vivo. É o Espírito de Cristo, o Ressuscitado, que os levarão a continuar a missão de Jesus: reconciliar o mundo em suas mazelas.

            Em uma leitura detalhada, os versículos 19 a 23 tratam da aparição de Jesus aos discípulos reunidos na noite do primeiro dia da semana. O primeiro dia da semana é o dia da nova criação. Na teologia do Evangelho de João, isso significa que é o dia da criação da Igreja, reunida pelos discípulos. Na leitura do Quarto Evangelho, podemos pensar a criação da Igreja tanto ao pé da cruz de Jesus (Jo 19,30), quanto nesta primeira aparição aos discípulos reunidos na noite do primeiro dia (Jo 20,22).

             João acentua, no v. 20, (talvez polemizando com o docetismo implícito) que Cristo aparece: “está no meio deles” e é um ser real. O docetismo é uma heresia cristológica (a respeito de Jesus Cristo) que diz que o Filho de Deus não havia se tornado humano e que sua humanidade era aparente (dokeo). Para os docetas, Deus, essencialmente puro e santo, não poderia habitar em um corpo carnal, essencialmente mau, na perspectiva deles. Não é sem sentido a afirmação joanina no prólogo: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).

            No presente microrrelato (vv. 19-23), grosso modo, Jesus aparece aos discípulos e lhes deseja a paz, o Shalom, a plenitude de Deus. João reitera as palavras do Ressuscitado: “a paz esteja convosco”. A paz é a realidade do Vivente, pois as tribulações do mundo já não têm prerrogativas sobre ele. A paz do Ressuscitado é contraposição ao medo referido no versículo 19: “as portas estão cerradas, por medo dos judeus”. O medo (fobia) é proveniente da ação das autoridades judaicas que mandaram matar Jesus e também poderiam perseguir os seus seguidores. Era noite, realidade das trevas. Contudo, o clarão da luz do Ressuscitado irrompe a noite escura. Jesus é a luz do mundo que, ao adentrar o recinto do medo, transmite a paz. Jesus envia os discípulos ao mundo: “como o Pai me enviou eu também vos envio” (v. 21).

            Na perspectiva joanina, Jesus é o enviado do Pai ao mundo, assim o evangelista se expressa em seu prólogo (Jo 1,11.14.27). Jesus, ao enviar seus discípulos ao mundo, faz com que os discípulos se convertam em apóstolos. Nesse sentido, dá-se, segundo a perspectiva teológica de João, o Pentecostes, a manifestação do Espírito Santo (v. 22). É o Espírito quem autoriza os discípulos a perdoarem os pecados. A ação pneumática (pneuma = espírito) é reconciliadora e restauradora (v.23). Jesus sopra o Espírito, v. 22 a. O gesto de soprar lembra a criação do primeiro homem, Adão (Gn 2,7). No testemunho profético, Ezequiel (37, 9) diz que o Senhor Deus, o Espírito, virá dos quatro ventos e soprará sobre os mortos para que eles retornem à vida. O sopro de Jesus recria a comunidade dos discípulos, revitaliza-a para que ela seja no mundo um sinal do Vivente. Da boca de Jesus provém o Espírito Santo. Portanto, o Espírito de Cristo vive na Igreja, assistindo-a em sua missão.

             O Espírito Santo, que é também Espírito do Vivente, ampara a Igreja, comunidade dos discípulos e apóstolos. Ainda hoje, ao celebrar Pentecostes, a Igreja se vivifica pela ação do Espírito que é Santo. Só ele pode nos ajudar, assistir e fortalecer, firmando nossos corpos para ação diaconal (de servir) na construção do Reino de Deus. Dessa maneira, pela efusão do Espírito, a Igreja vive a fidelidade ao Ressuscitado, possibilitando ser no mundo um sacramento da luz, um sacramento do Ressuscitado, um sinal do amor e da misericórdia de Criador.

            Por fim, a Festa de Pentecostes converte-se em tempo de renovação espiritual, tempo de reanimação e conversão. Trata-se de um evento em que nós, pastores e ovelhas de Jesus, o Bom Pastor, suplicamos que seu Espírito nos alente, assista nossa vida, nos fortaleça com sua graça e nos converta em povo santo, fazendo de sua Igreja um sacramento de caridade e reconciliação. Por isso, espera-se da Igreja a sensibilidade e a doçura às moções (forças) do Santo Espírito. A Igreja e os discípulos de Jesus hoje têm como missão a fidelidade ao Espírito e a bondade para com os pobres desse mundo. É indispensável, portanto, beber nas fontes do Espírito para poder saciar a sede e a fome do Povo de Deus, muitas vezes sedento de espiritualidade.

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