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XII Domingo Comum: Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la.

por padre Junior Vasconcelos Amaral,

pároco, doutor em Teologia Bíblica e professor de Sagrada Escritura na PUC Minas

 

Lc 9, 18 Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: 'Quem diz o povo que eu sou?'19 Eles responderam: 'Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou.' 20 Mas Jesus perguntou: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' Pedro respondeu: 'O Cristo de Deus.' 21 Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. 22 E acrescentou: 'O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia.' 23 Depois Jesus disse a todos: 'Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. 24 Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará.

Nos Evangelhos sinópticos (Mc, Mt e Lc), é inegável a presença da pergunta de Jesus: “Quem sou eu?” Trata-se de uma questão crucial para os Evangelhos, que apresentam de forma teológico-narrativa a pessoa de Jesus para os homens e mulheres de todos os tempos e lugares (onde o Evangelho for anunciado e proclamado). Saber e conhecer quem é Jesus constituem questões fundamentais para a fé, tratar-se-iam do cerne ou coração do Evangelho, que constitui a apresentação de Jesus de Nazaré, não biográfica, mas teológica, pois Deus está no centro do anúncio de sua vida: no anúncio do Reinado de Deus e na relação que Jesus, o “filho de Deus”, estabelece com o Pai, no momento da morte e Ressurreição.

No Evangelho lucano, a questão de Jesus é antecedida pela oração. Jesus estava num lugar retirado orando. A oração de Jesus era uma constante realidade. Jesus não se percebia sem se relacionar com o Pai. A oração não é apenas expressão de fé, do acreditar de uma pessoa, mas é antes de tudo um diálogo com Deus. Crer apenas não é o suficiente, é preciso orar, rezar, dialogar. Crer, até os demônios creem, mas não oram. Orar é falar com Deus, dialogar com aquele, que, mesmo sem nossas palavras, já conhece nosso coração, nossa intenção mais profunda.

Após a oração, Jesus pergunta aos discípulos: “Quem diz o povo que eu sou?” Evidente que os discípulos ouviam frequentemente dizer sobre Jesus. As pessoas que ouviam falar sobre Jesus, aquelas que se encontravam com ele sempre questionavam os discípulos se ele era de fato o Messias. Esta é uma realidade mais que normal, pois todos na Palestina esperavam o Messias. Os discípulos, por sua vez, dizem que ouvem comentários diversos, uns acham que Jesus é João Batista, o profeta, outros dizem que é Elias, que ressuscitou ou algum outro profeta que voltou para continuar a profecia. No caso de compararem Jesus a Elias é porque de fato Elias foi, segundo a tradição judaica, arrebatado ao céu em uma carruagem de fogo e não foi mais avistado. Então, comparar Jesus a Elias seria dizer que este novo profeta nada mais é que o antigo profeta do Senhor, Elias, um homem temente a Deus e capaz de realizar milagres.

Contudo, não satisfeito com as respostas apresentadas pelos discípulos, Jesus pergunta-lhes: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro precipitadamente responde: 'O Cristo de Deus.' Segundo Pedro, Jesus é o Messias, o ungido do Pai e enviado ao mundo para a salvação e restauração de Israel. Ele teria como missão restabelecer a paz, o verdadeiro shalom, tão esperado. A expectativa messiânica sempre foi um norte na teologia judaica. O Messias é símbolo de Deus. Masshiah significa “ungido”, ou seja, aquele ao qual fora outorgada uma missão: a principal delas era restabelecer a dinastia Davídico-Salomônica, revitalizando a paz, o Shalom, a plenitude da vida em Deus.

Porém, Jesus pede para que Pedro e os discípulos guardem um segredo a seu respeito. Sua hora na verdade não havia chegado. Mas, também, seu messianismo era bem outro que aquele esperado por Pedro e pela maioria do povo Palestino. Jesus é um Messias diferente, um servo sofredor, aos moldes da profecia de Isaías, alguém muito diferente daquele que reinaria sobre Israel, implantando uma dinastia poderosa e perfeita. Jesus, em contrapartida, afirma: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. Jesus se auto-intitula o Filho do Homem, um termo semítico, inspirado em Dn 7, que consiste na figura apocalíptica por excelência, uma espécie de Filho de Deus, que ser capaz de restabelecer a paz, a harmonia escatológica, isto é, no fim da história humana tudo será novo. Não seria a assunção da história presente, mas da o advento da história derradeira, do escatón, do futuro novo.

O Messias Jesus de Nazaré se compreende perseguido, rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes, ou seja, hostilizado pelos poderosos de Israel, mas, evidentemente amado pelos pobres, marginalizados, oprimidos, pois se colocou inteiramente ao lado dos desprezados, daqueles que estavam marginalizados pelo sistema opressor judaico. Se fosse hoje, Jesus estaria ainda ao lado dos que pacificamente marcham nas cidades, que manifestam pelas ruas por justiça, por um mundo melhor, por melhorias na educação, na saúde, na segurança pública, por transporte digno. Jesus seria também rejeitado pelos políticos corruptos, pelos milionários exploradores da mão de obra barata e quase escrava. Jesus ainda é hostilizado por aqueles que escravizam, por aqueles que em nome da religião se sentem deuses, que manipulam, alienam o povo e roubam suas doações em nome do dízimo bíblico, que se sentem “deuses” em seus espetáculos religiosos.

Jesus se compreende um servo que sofre. Um ser humano que se esvazia de sua potencialidade. Ele, o Filho de Deus, se fez igual a nós, exceto no pecado, abraçou a humanidade inteira, chorou, sofreu, sentiu-se desamparado, foi humilhado, crucificado e morreu. Mas, pela fé, foi exaltado por Deus, que o ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram, sendo exaltado acima de qualquer um. Deus o ressuscitou e lhe deu um trono acima de outro trono humano, fazendo-o assentar à sua direita, onde reina gloriosamente.

Para acrescentar sua catequese sobre o servo de Deus, o verdadeiro messianismo, Jesus afirma aos discípulos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me”. Para ele, seu seguimento só pode ser experimentado na renúncia de cada dia no tomar a cruz e seguir, fazendo-se servo como ele se fez.

Por fim, para radicalizar ainda mais, Jesus diz no v. 24: “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”. De acordo com ele, servir é ganhar e perder é ganhar. Corresponde a uma realidade inversa a que nossa sociedade está acostumada. Trata-se de uma nova concepção, de uma nova ética, pautada no esvaziamento de tudo, da vaidade, do orgulho, da avareza, da prepotência e da presunção. Trata-se de uma alternativa divergente àquela ensinada durante muitos séculos, nos quais as pessoas sempre se viam como sujeitas e escravas de suas ambições e vaidades. Para Jesus, é diferente: seu jeito alternativo de ser configura-se à nova realidade que ele apresenta: o serviço. Servir é mais importante que ser servido, amar é mais preciso que ser amado, dar é mais oportuno e necessário que receber e esvaziar-se de tudo é indispensável para segui-lo. Desta forma, ou seguimos a Jesus ou nos tornamos eternos escravos de tudo que nos oprime e parece nos trazer felicidade momentânea.

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