por padre Junior Vasconcelos Amaral,
pároco, doutor em Teologia Bíblica e professor de Sagrada Escritura na PUC Minas
Jo 16, Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 12 Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. 13 Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. 14 Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. 15 Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu.
Neste Domingo, em que celebramos a Festa da Santíssima Trindade, “a perfeita comunidade”, somos chamados à santidade e a perceber os vestígios de Deus Trino em nós. Vestígios da Trindade é um termo caro a Santo Agostinho, que em seu livro De Trinitate, afirma que Deus trino na criação deixou suas marcas “digitais” em nós, no mundo, na face da terra. Tudo respira Deus, tudo se move em Deus, tudo volta para Deus, pois tudo dele procede. Assim como o Filho procede do Pai e o Espírito procede do Pai e do Filho. Esta processão divina está em eterno estado dinâmico. A Trindade está em uma ciranda de amor. O Pai é a origem sem origem, o Filho é o amado do Pai, que é o amante, e o Espírito é o amor do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai. Da Trindade viemos, nela nos movemos e para Ela nos destinamos pela fé salvífica revelada pelo Filho, Jesus Cristo.
À vida, fomos criados. Nossa vida nos lembra o Pai, que nos concedeu a graça da criaturalidade. Por causa de nossa missão de cristãos, para isso somos batizados, lembramo-nos do Filho, Aquele que nos envia (apostolleo) ao mundo e nos abre para a vida eterna (zoé). Pela força espiritual, que habita em nós, lembramo-nos do Santo Espírito, que foi insuflado em nós, desde a criação (Gn 2), no batismo e na crisma, e, por consequência, nos santifica no caminho do bem, do amor e da paz, a fim de construirmos juntos o Reinado de Deus (basiléia tou theou). Portanto, não seria demasiado profano dizer que é a vida da Trindade que habita em nós e, não mais audacioso seria dizer, que, por seu mistério inefável, somos nós quem habitamos no Deus Uno e Trino. Esta pericorese, a relação intra divina, habita em nós e nós na relação de Deus, Pai, e Filho, e Espírito Santo.
Na liturgia, somos brindados pela pequena passagem bíblica de João. Para este evangelista, do Quarto Evangelho, o Espírito Santo é a pessoa do Ressuscitado, após a ascensão e Pentecostes, a agir no interior da Igreja e sobre a face da terra. O Espírito é a força anímica de Jesus Ressuscitado que é abraçado pelo Pai e, assim, é enviado aos irmãos de Jesus, nas comunidades por ele convocadas. Cristo não deixa a igreja órfã, mas envia o paráclito, o Espírito Santo que é advogado da comunidade cristã, que fala por ela, que a defende da nocividade do mal e da falta de fé (cf. Jo 14,16). Vale lembrar que o Evangelho desta festividade da Trindade se encontra, como este versículo citado a pouco, no interior do “Discurso de Despedida” de Jesus, que vai de Lava-pés (Jo 13) até o fim do capítulo 17 deste evangelho.
No v. 12 Jesus diz que há muitas outras coisas que devem ser ditas, mas não serão ditas por causa da incapacidade dos discípulos de compreenderem ainda. Trata-se da consciência possível dos discípulos, do conhecimento ainda não pleno e das competências que só serão adquiridas de fato após sua morte e Ressurreição. Após a Ressurreição (Jo 20) é que a comunidade será despertada pelo Espírito do Ressuscitado e poderá compreender tudo com clarividência. Exatamente em Jo 20,22 há a efusão do Espírito que revela todas as coisas e credibiliza a comunidade apostólica na missão reconciliadora: “àqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos”. O Espírito na comunidade joanina além de santifica-la, animá-la e restaurá-la na fé é ainda espírito de reconciliação, redenção. Trata-se de uma alta teologia pneumatológica que se descortina no Quarto Evangelho. Para João, o Espírito na vida da Igreja é a presença mesma de Cristo, que está reunido com a Igreja, pois ele é a cabeça da Igreja, sua força pensante e santificante. Aos poucos, enfim, a comunidade apostólica, que segue Jesus em sua despedida, conceberá com clareza o que ele falava: na cruz ao derramar o Espírito (Jo 19,30), Jesus “inicia” a igreja, a nova páscoa, um novo tempo, ali já é Pentecostes, o nascimento, pelo Espírito, da comunidade que deverá anunciar o Evangelho a todos.
Para o v. 13, o Espírito anunciado por Jesus é Espírito da Verdade (aletheia), uma realidade elucidatória, que potencializa a ver (ópsis) com maior clareza tudo o que Jesus havia realizado em sua vida terrena. O Espírito credibiliza na razão da fé dos discípulos tudo o que o mestre havia realizado. Ele confirma a ação de Jesus, deferindo para sempre que o que o Filho realizou foi tudo o que conheceu do Pai. Trata-se da intimidade intratrinitária, da relação que só a Trindade vive. O Pai, o Filho e o Espírito vivem a comunhão amorosa e esta é revelada ao mundo, aos seres humanos. O que o Espírito faz, na missão trina, é revelar, lembrar e credibilizar tudo o que o Filho já realizou. A revelação, portanto, está consumada, o Espírito simplesmente não deixará morrer o que fez Jesus, não deixará que o esquecimento tome precedência no coração dos fiéis. Sua força é dinâmica de memória, que desperta a comunidade dos seguidores ao não abandono da fé, ou seja, à apostasia.
No v. 14, Jesus afirma que o Espírito o glorificará, pois inclusive falará das coisas futuras, como afirma o fim do v. 13. As coisas futuras não são revelações inauditas por Jesus, mas a glorificação que a comunidade cristã, pelo Espírito, fará. A doxologia (louvor) da comunidade cristã hoje só pode ser realizada pela efusão e permanência do Espírito Santo. Por isso, toda Eucaristia é um louvor – eucharistós – de “muito obrigado” ao Pai, pelo Filho, na força do Espírito Santo. É no Espírito e no estado de espírito que louvamos ao Pai, pelo Filho, nas missas que celebramos. O Espírito promove em nós a moção ideal a fim de agradarmos a Deus, pela vida do Filho que é a Eterna oferenda (oblação), uma vida que se atualiza em nossa vida e se torna louvor, no momento da Eucaristia e quando agimos em Cristo e por Cristo. Vale lembrar que não é apenas a celebração o lugar teológico de nossa ação divinal, mas a caridade sobremaneira é a forma perene de nos aproximarmos de Deus, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8). Por isso, a oração Eucarística se conclui com a louvação: “Por Cristo, com Cristo em Cristo...” “Per ipso Per ipsum, et cum ipso, et in ipso”.
No v. 15, Jesus se refere ao Pai. Ele e o pai são um. Há uma unidade intrínseca entre ele e o Pai, que o permite falar as coisas do Pai e falar com o Pai. Tudo que é do Pai é também do Filho, pois o pai lhe concedeu este poder, o que pode ser entendido com um poder autorizado pelo Pai (exousia). Jesus age pela força do Espírito e sua ação é divina como o Pai é Deus e o Espírito é divino, pois com o Pai e o Filho, vive a vida trina, na unidade perfeita. Por isso, pode-se dizer que a Santíssima Trindade é a comunidade perfeita, pois vive o diálogo fundamental do Amor, o agápe. Jesus tem em si o amor do Pai e do Espírito e o transmite aos que o seguem. Pode-se assim dizer que no seguimento do Senhor, somos morada da Trindade e por isso, oportunizados a viver a melhor comunhão, o Amor.
Pode-se dizer que Jesus promete à Igreja sua presença perene. Ele garante estar presente com seus discípulos, em todo tempo e lugar, na vida missionária da Igreja. Com a presença de Jesus Ressuscitado, continuamos sua ação no mundo, amando os irmãos e servindo-os para que o mundo seja melhor e possa crer. Oxalá, que a presença de Jesus Ressuscitado nos fortaleça no caminho do amor e que o mundo creia que foi ele quem nos enviou, para a Glória de Deus Pai e para santificação, pelo Espírito, de toda a humanidade.
*título da Obra do exímio teólogo Leonardo Boff (Editora Vozes).
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